HISTÓRIA LINEAR DO GRUPO CONTADORES DE ESTÓRIAS


No início da de 1970, Marcos e Rachel Ribas saíram da Universidade de Brasília, onde estudavam no Instituto Central de Artes (ICA), e foram morar em Nova York, um dos epicentros do intenso reboliço causado pelas revoluções sociais que aconteciam pelo mundo afora.

No ano de 1971, já bastante integrados naquela cidade, Rachel estudava ilustração e Marcos artes cênicas e dança. Decidiram então unir os seus interesses e dons artísticos, e desta união surgiu o Grupo Contadores de Estórias, dando início a uma carreira que se manteve em constante evolução.

 

“O Bode e a Onça” foi a primeira montagem do grupo, apresentada ao ar livre sob a sombra das árvores do Central Park. Nas grandes máscaras criadas para esse espetáculo já se esboçava a linha de trabalho que seria a marca registrada da companhia nos dez anos seguintes.

Grupo Contadores de Estórias - O Bode e a Onça

O inverno chegou em Nova York e os Contadores de Estórias voltaram para o Brasil e se instalaram no Rio de Janeiro.

 

Como a ditadura militar que comandava o país os impedia de continuar a desenvolver seu trabalho ao ar livre, adaptaram-no para um pequeno teatro de câmara de estrutura não convencional, o Teatro Ipanema, dirigido por Rubens Correia, que era, na época, a sede do teatro de vanguarda carioca. À noite, estava em cartaz o emblemático “Hoje é dia de Rock.”

 

Usando máscaras como no espetáculo anterior, "Ôôôpa" era um espetáculo infantil baseado em três estórias do folclore brasileiro, “no qual as crianças realmente participavam, correndo com os atores, cantando, construindo cenários, tocando instrumentos, fazendo, falando, perguntando e brincando de contar estórias”, conforme descreveu uma crítica do Jornal do Brasil.

 

No fim de 1972, sufocado pela intransigência e pelo clima opressivo criado pela ditadura, o grupo se transfere para a Holanda em busca de novos conhecimentos e da vivencia de outras culturas.

 

Inicialmente faziam apresentações nos parques de Amsterdã e Roterdã, e em seguida foram contratados pelo Bureau de Orientação Educacional para fazer apresentações do espetáculo “O Homem que Queria a Sabedoria” em escolas primárias durante o ano letivo de 1973/74, com tradução da narração para o holandês.

Grupo Contadores de Estórias - O Homem que Queria Sabedoria

Neste período apresentaram suas primeiras montagens para o público adulto: “O Mercado do Oriente” e em seguida “De Opkomst”, a primeira versão do espetáculo “A Emersão”.

Grupo Contadores de Estórias - De Opkomst

Em 1975, já de volta ao Brasil, apresentaram “O Homem que Queria a Sabedoria” e “A Emersão”, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, mas o grande êxito da companhia viria em 1976, com a apresentação nos parque da cidade de “A Fabulosa Estória de Melão City”.

 

Bonecos de 4 metros de altura, atores usando roupas multicoloridas e uma banda de música se movimentavam ao ar livre, em praças e ruas, atraindo multidões de mais de 4.000 pessoas para aquele espetáculo que se transformava em verdadeira festa popular.

Grupo Contadores de Estórias - A Fabulosa Estória de Melão City

As apresentações, com patrocínio do Departamento de Parques e Jardins, aconteceram nas mais variadas praças e parques da zona norte e da zona sul do Rio de Janeiro como o Parque Lage, Parque da Cidade, Parque Guinle e outros.

 

Esta “Fabulosa Estória”, elogiada pela crítica e disputada pelo público, mereceu os prêmios de melhor espetáculo do ano concedidos pelo SNT e pelo Mec.

 

Em 1977, um casarão no bairro da Usina no Rio de Janeiro funcionou como a primeira sede do grupo. Contrataram atores, músicos e técnicos para trabalhar em tempo integral.

 

Como resultado deste trabalho intenso estrearam três espetáculos neste ano:

“O Rato Saltador” para adultos, “A Estória das Cebolas”, espetáculo de rua, e “33 ou o Jogo do Acaso”, infantil. E pipocaram as indicações para prêmios:

 

  • “O Rato Saltador”- Indicação para o Prêmio Mambembe nas categorias Direção e Atuação;
  • “A Estória das Cebolas” Indicação para o Prêmio nas categorias Melhor Efeito Visual, Melhor Figurino e melhor texto;
  • “33 ou o Jogo do Acaso”- Indicação para o Prêmio Mambembe nas categorias Direção e Atuação.
Grupo Contadores de Estórias - 33 ou O Jogo do Acaso

Em 1978, todo este trabalho exaustivo cobrou o seu preço, e o casal Marcos e Rachel, núcleo central do grupo, resolveu partir mais uma vez. Com os dois filhos pequenos, voltaram a Nova York e de lá decidiram seguir para o Brasil por terra, conhecendo as Américas. A ideia não era fazer apresentações, mas estar disponível para novas experiências, dispostos a viverem novas aventuras e assim deixar aparecerem novas ideias.

 

Na mala, levavam apenas um filme de média metragem de 16mm, com enredo baseado na estória do Pinto Sura, que havia sido feito com patrocínio da Funarte, e cuja ação se passava em vários locais pitorescos do Rio. O filme de 45 minutos era apresentado para crianças em bibliotecas públicas das cidades por onde passavam.

 

No estado do Novo México, EUA, o casal deu um curso de teatro de bonecos para crianças de uma reserva de índios Navajo. Logo as ideias começaram a surgir, empurrando-os de volta para o trabalho. Eles viajavam num Motor Home e o espaço era pouco. Era necessário desenvolver bonecos pequenos que coubessem numa mala. Era necessário descobrir uma linha de trabalho universal, sem a barreira da língua, que pudesse ser compreendido por todos. Começava a se desenvolver o embrião do que seria a nova linguagem do grupo.

 

A viagem de volta de Nova York ao Brasil por terra durou um ano e terminou com o casal morando em um sítio no interior de Minas Gerais, distante muitas horas da cidade mais próxima. Passaram vários meses vivendo tranqüilamente e absorvendo as coisas simples do lugar, desenvolvendo a técnica e aprimorando o formato dos bonecos às necessidades da nova montagem. Desta fase de experiência e pesquisa surgiu “Mansamente”, espetáculo para público adulto que estreou no Rio de Janeiro em 1980, e que inaugurou a nova técnica de manipulação direta com bonecos pequenos e sem palavras.

Grupo Contadores de Estórias - Mansamente

Quem viu uma das inesquecíveis apresentações onde Rachel e Marcos manipulavam com destreza e encanto um casal de camponeses, um menino brincando e um casal de jovens índios numa das cenas mais belas e envolventes da história do grupo, jamais esqueceria este espetáculo onde a cumplicidade entre o casal contagiava o público.

 

Mais prêmios vieram: Prêmio MEC e Prêmio Mambembe.

 

No ano seguinte, 1981, depois de uma turnê pelo sul do país, decidiram fazer outra mudança marcante em sua vida e se instalaram definitivamente em Paraty, pequena cidade no litoral sul do estado Rio de Janeiro, preciosa por seu valor histórico e por sua beleza.

 

O espetáculo "Mansamente" foi em temporada para São Paulo, onde foi visto por uma jovem agente norte-americana que resolveu organizar para a companhia uma turnê pelos Estados Unidos e Canadá. Foi o início de uma nova carreira do grupo no exterior. Além das temporadas no país, fizeram mais de 200 apresentações fora do Brasil, e receberam críticas elogiosas em jornais importantes de toda parte:

 

"Um consistente trabalho de arte dramática" (The New York Times - EUA)
"Precisão de uma joia...extraordinário..." (The San Francisco Chronicle- EUA)
"Cada pequeno movimento conquista o coração." (Los Angeles Times - EUA)
"Um pequeno espetáculo maravilhoso" (L'express - França)
“...o público ficou maravilhado..." (Le Monde - França)
"Sutil e comovente, uma poesia filigranada." (Züddeutsche Zeitung -Alemanha)
"A realidade transformada em magia", (El Dia - Espanha)
"Uma pequena Maravilha. " (Trouw - Holanda)
"Originalidade e beleza." (Yan Michalski - RJ- Brasil)
"Admirável. Beleza e poesia em estado puro." (Sábato Magaldi - SP-Brasil)

 

Receberam ainda o prêmio de melhor espetáculo do ano do Circulo de Críticos de São Francisco, EUA, na categoria “novas direções”.

Em 1982 estrearam mais dois espetáculos, “Pas de Deux” para o público adulto, e “O Menino, o Velho e o Burro” para crianças.

 

Os convites para apresentações no estrangeiro se intensificaram, e no ano de 1985, com a economia de sucessivas turnês internacionais, a companhia conseguiu comprar um casarão no centro histórico de Paraty, e criar uma nova sede para o Grupo Contadores de Estórias, o Teatro Espaço.

 

Único teatro da cidade, o espaço é um bem montado teatro de câmara de 94lugares, e uma atração indispensável para as centenas de turistas que passam pela cidade semanalmente.

 

Nestes vários anos de existência, o pequeno teatro, apelidado carinhosamente pela companhia de “o rato que ruge”, acolheu mais de 70 grupos de teatro, dança e música, além de manter permanentemente espetáculos do repertório da companhia.

 

Indicando um amadurecimento artístico, estreou em 1987 o espetáculo para adultos “Maturando”, que seguia a linha intimista e reflexiva, e que também colecionou comentários e elogios de críticos de diversas partes.

Grupo Contadores de Estórias - Maturando

“Maturando” foi convidado a participar do Next Wave Festival de Nova York. Considerado um dos mais importantes do globo, este festival costuma apresentar monstros sagrados das artes cênicas como Pina Bausch, Robert Wilson e outros, e nunca antes tinha apresentado uma companhia de teatro de bonecos. A Folha de São Paulo começou a sua matéria de capa sobre o convite feito ao grupo com a exclamação: “É o máximo!”

 

Mantendo a tradição de pesquisa e busca do desenvolvimento, mas arriscando no que seria um desligamento da linguagem anterior, em 1989 o grupo estréia o espetáculo “Impressões”. Uma primeira tentativa encenada apenas com bailarinos, sem os famosos bonecos, que serviu como uma etapa de experimentações e estudos, que foram desembocar no espetáculo mais definitivo que veio depois.

 

“Rodin, Rodin”, de 1992, misturava bailarinos e bonecos, usando técnicas de manipulação nas coreografias dos primeiros, e estruturas coreográficas nos movimentos dos segundos. As coreografias, apoiadas nos trabalhos do escultor francês Auguste Rodin, conseguiam expressar as emoções delicadas que já tinham se tornado marca registrada do trabalho dos Contadores de Estórias. Inspirados na atuação dos bonecos da companhia, o movimento dos bailarinos era simples, objetivo, singelo mesmo, e ao mesmo tempo vigoroso, denso e bonito.

Grupo Contadores de Estórias - Rodin, Rodin

Estreado no Teatro Espaço, em Paraty, este espetáculo foi apresentado depois em outras cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Manizales (Colômbia), etc.

 

No ano de 1994 a atriz Inez Petri procurou o casal, com o interesse de aprender sua técnica de confecção e manipulação de bonecos, e assim surgiu o convite para se integrar à companhia, na montagem do espetáculo “Em Concerto”. De lá para cá foram vários anos e muitas apresentações no Teatro Espaço, vistas por dezenas de milhares de espectadores. Peça que faltava para complementar a equipe, Inez foi fundamental para esta perseverança e continuidade que tornou o teatro de bonecos de Paraty uma atração imperdível para quem visita a cidade e um exemplo de turismo cultural na região.

 

Ainda em 1994, por indicação do Musée Rodin de Paris, o Grupo Contadores de Estórias foi convidado pelo Sesc de São Paulo a montar um espetáculo durante o período da exposição do escultor francês na capital paulista. O grupo apresentou então o “Museu Rodin Vivo”, espetáculo/instalação montado nos jardins do Museu do Ipiranga.

 

Com um elenco de 30 bailarinos, 6 escultores, 2 manipuladores de bonecos e 10 contra-regras circulando numa área cênica de 3.000 metros quadrados, a direção de Marcos Caetano Ribas deu vida a dezenas de esculturas de Rodin num ambiente mágico.

 

Em 1996, há quase 15 anos sem montar um espetáculo infantil, o grupo criou uma versão delicada e sem palavras do “Chapeuzinho Vermelho”. Nesta bela montagem os bonecos são ainda menores que os usuais, com aproximadamente 30 cm de altura.

Grupo Contadores de Estórias - Chapeuzinho Vermelho

A ideia da direção foi manter a linguagem usada nos espetáculos para adultos, mas com um tema infantil. Sem palavras e com música clássica, a solução encontrada para a melhor compreensão do espetáculo foi usar uma estória que todos conhecessem e "Chapeuzinho Vermelho" cumpriu perfeitamente esta função.


O espetáculo seguinte, “Descaminhos”, ficou na incubadeira desde 99. Estreou finalmente em 2001, graças a um patrocínio da Petrobras, e se transformou no carro chefe da grande festa que comemorou, naquele ano, os 30 anos da companhia.


O espetáculo era uma livre adaptação do livro de ficção do mesmo nome, escrito por Marcos Caetano Ribas, e que foi fruto de uma intensa pesquisa sobre o antigo Caminho do Ouro, patrocinada pela Fundação Rio Arte. A partir desta pesquisa o grupo, através da ONG Espaço Cultural Paraty, esteve envolvido com diversas atividades e projetos voltados para a preservação e a difusão deste caminho.

 

Mais recentemente, além das suas apresentações normais às quartas e sábados no Teatro Espaço, o grupo tem se voltado para a realização do projeto Escolas no Teatro Espaço. Realizado junto com a rede de escolas públicas de Paraty, este programa de inclusão social já atendeu a mais de 12.000 crianças e jovens da cidade.

memorias-de-um-tigre-de-circo.jpg

Em 2008 o grupo montou o espetáculo “Memórias de Um Tigre de Circo”, com o trapezista e artista circense Boris Ribas, segunda geração do Grupo Contadores de Estórias. Com bonecos grandes, sem palavras e várias técnicas circenses, para público de todas as idades. Este espetáculo está atualmente na Espanha, onde mora o Boris.


A saída, também em 2008, da atriz Inez Petri mudou a configuração do grupo, que atualmente treina novos integrantes.
Novos espetáculos ainda estão por vir, novos projetos, novas propostas, e a história continua. E o grupo continua. E as estórias continuam... 45 anos vividos e muitos outros pela frente!!!